foto da capa

Clarice, (Why this world)
Benjamin Moser

Quem me conhece, ou melhor, quem conhece meu apetite literário sabe que meu gosto é variado. Indo de sci-fi a literatura fantástica, de suspense a policial, de clássicos a relatos de viagem, passando por física, astronomia e neurociência. Leio qualquer coisa. Nem que seja para falar mal depois. Mas há algumas seções nas livrarias que eu nunca ou raramente visito. Auto-ajuda, psicologia e biografias estão entre elas. Imagino que, neste momento, alguns leitores devem estar se perguntando “então por que cargas d’água este post é sobre a biografia de Clarice Lispector?”

Explico-me. Confesso que a compra foi feita totalmente por impulso. Havia acabado de ler Clarice na cabeceira (post aqui) e vi em alguma revista algo sobre o lançamento dessa biografia, mas não cheguei a ler qualquer resenha. Numa das minhas excursões à Fnac, o livro estava exposto ostensivamente. Tão ostensivamente que me foi impossível resistir à vontade de tê-lo em mãos. E é preciso reconhecer, a edição é primorosa. Qualquer leitor inveterado se encantaria. Capa-dura, papel pólen e aquelas fitinhas marcadoras de página. Enfim, impecável, praticamente impossível de resistir. E foi o que ocorreu. Eu não resisti e comprei. Não me arrependi da compra, mas fiquei longamente ponderando que era bem alta a probabilidade de eu nunca vir a ler – ou, se iniciasse a leitura, de eu não terminar.

clarice

Antes de continuar e falar sobre o livro e minha experiência ao lê-lo, gostaria de esclarecer o motivo pelo qual biografias não me atraem. Eu sou extremamente reservada. Minha vida pessoal é literalmente isso “pessoal e intransferível”. E, assim como não gosto de me expôr, pouco me atrai saber detalhes da vida pessoal dos demais. E considero ler biografias como algo bastante invasivo. Independente de quem seja o objeto do meu interesse, meu interesse é essencialmente pela obra – literária, musical, científica. É indiferente se a pessoa em questão só se vestia de azul, se perdeu o primeiro dente de leite ao cair de bicicleta, se só fumava charutos de determinada marca, se tricotava meias ou se bebia apenas uísque com soda antes do jantar. Para mim, é irrelevante esse tipo de informação. É lógico que compreendo que alguns fatos marcantes da vida da pessoa certamente tenham tido influência em sua obra, contudo não me interessa ir além disso. Entendo e respeito quem gosta desse estilo literário, mas ele simplesmente não é para mim.

clarice - em inglesApesar de minhas ressalvas ao estilo, aproveitei o Desafio literário para incluir o livro na lista, obrigando-me ao menos a iniciar a leitura. Fevereiro chegou e eu estava disposta a encarar o desafio – literalmente. Já que eu não havia lido nada sobre a biografia, minha primeira “surpresa” foi perceber que o autor não era brasileiro. Achei bastante interessante o fato de Clarice ser tão conhecida internacionalmente a ponto de um autor norte-americano decidir escrever sua biografia. Sou fã da obra de Clarice, sei o quanto ela é reconhecida no Brasil – mas incomoda-me o uso abusivo que fazem de seus textos em redes sociais, além de atribuir-lhe citações que simplesmente nada têm a ver com ela. E, ao notar que este livro vinha “de fora”, senti aquela pontinha de orgulho ufanista ao perceber que sua obra transcedeu as fronteiras do idioma e fez sucesso em outros países.

O título nacional, a princípio, deixou-me intrigada. Mas lembrei-me depois de ter lido em algum artigo que uma de suas obras, Uma aprendizagem, inicia-se com uma vírgula e, possivelmente a vírgula do título seja uma referência. Na introdução do livro, encontrei a melhor descrição de Clarice que já li. Havia lido em vários textos o comentário do tradutor Gregory Rabassa, que afirma que Clarice “era parecida com Marlene Dietrich e escrevia como Virginia Woolf”. Mas esta não faz jus à complexidade de Clarice. A declaração da escritora francesa Hélène Cixous é, de longe, a melhor:

“Clarice Lispector era o que Kafka teria sido se fosse mulher, ou se Rilke fosse uma judia brasileira nascida na Ucrânia. Se Rimbaud fosse mãe, se tivesse chegado aos cinquenta. Se Heidegger deixasse de ser alemão”.

Foi a introdução que me levou a crer que talvez eu conseguiria terminá-lo, caso o tom da narrativa se mantivesse aquele. E, várias vezes, enquanto avançava na leitura, comentei com um amigo o quanto estava surpresa por chegar tão longe. Cem, duzentas, trezentas páginas lidas e eu ainda não tivera uma vez sequer o impulso de abandoná-lo. Com certeza, o que me reteve foi o fato de o autor abordar os acontecimentos da vida de Clarice a partir de suas obras.

Apesar de alguns trechos – que eu apelidei de aulas de história – serem mais extensos do que eu gostaria, o texto não é cansativo. Entendo que seja necessário situar a persona num contexto histórico, mas História não é algo do meu interesse. Sendo assim, esses trechos do livro foram os que mais me entediaram e não tenho vergonha alguma em admitir que li-os aos pulos, saltando alguns tantos parágrafos. Porém, quando a narrativa voltava-se novamente para Clarice e a encaixava no contexto, a leitura passava a fluir novamente.

foto da capaAlém disso, a enorme quantidade de citações de trechos de romances, crônicas, contos, entrevistas, colunas foram um atrativo e tanto. Conhecer alguns detalhes de obras que eu ainda não li foi muito bom, além de servir para me deixar ainda mais propensa a lê-las. E não há como negar, Moser escreve bem. Sua narrativa é envolvente. E, mesmo incluindo detalhes mais íntimos da vida de Clarice (que me deixaram com a sensação momentânea de estar lendo a revista “Caras”), conseguiu manter meu interesse até o final. Percebe-se pelo tom da escrita o quanto ele respeita e admira tanto a obra quanto a pessoa de Clarice Lispector. Isso transparece no modo deferente como ele aborda cada uma das etapas de sua vida, e também no cuidado na escolha dos títulos dos capítulos.

É claro que achei interessante tomar conhecimento de alguns fatos – a veracidade de um de meus contos prediletos, “Felicidade clandestina”, ou como ela sobreviveu a um incêndio em seu apartamento, ou seu relacionamento com alguns autores que também admiro. Mas ainda assim, minha opinião, como fã, não se alterou. Não há como negar que o fato de ter perdido a mãe muito nova, de ter tido uma infância paupérrima no Recife ou de ter encarado a vida de esposa de diplomata sejam acontecimentos que se refletiram em sua obra. Mas saber disso não alterou o quanto eu gosto de seus escritos nem o quanto admiro o modo como expõe a alma feminina neles (nem para mais nem para menos). A leitura valeu principalmente por poder conhecer mais da sua obra. E, apesar do meu receio inicial, eu gostei muito do livro. Mérito do autor.

Enfim, para quem gosta de biografias ou gosta de Clarice Lispector, é um prato cheio.

clarice lispector

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    Confira também:

  • Entrevista com Clarice Lispector no programa Panorama Especial, transmitida pela TV Cultura em 1977
    http://youtu.be/djj_gdxUrPI
  • Leitura de “Felicidade clandestina”
Cristine Tellier
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