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Battle Royale
Koushun Takami

Este foi o livro do mês de abril, do Desafio Literário.

Antes de mais nada, sinto-me na obrigação de avisar que li a versão em inglês já que, infelizmente, não existe uma versão traduzida para o português. Meu inglês é bom, mas está longe de ser perfeito, não tenho domínio completo do idioma. Sendo assim, possivelmente, ou melhor, certamente, alguns detalhes da trama passaram despercebidos. Entendam, quando leio num idioma que não é o nativo (português ou francês), há vários termos que desconheço, mas sigo lendo e entendendo o sentido das frases pelo contexto. Eventualmente, quando não consigo ou quando alguma palavra me chama a atenção, recorro a um dicionário.

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(Um parênteses, já escrevi aqui no blog sobre minha preferência por livros em papel. Mas lendo este, pela primeira vez vi que haveria vantagem se eu estivesse lendo a versão eletrônica num e-book. A possibilidade de marcar as palavras desconhecidas e ir procurando o significado à medida que a leitura avança realmente é um ponto a favor desse formato.)

Adicional ao idioma do exemplar que eu estava lendo, houve outra pequena dificuldade. O livro foi escrito originalmente em japonês e confesso que a falta de familiariadade com a língua gerou uma certa confusão na hora de memorizar os nomes dos personagens. Por várias vezes, confundi-me e tive de reler alguns trechos pois achava que o autor se referia a um aluno, quando na verdade era a outro. Contudo, apesar dos percalços, a leitura foi mais que satisfatória. Realmente acima da expectativa.

Antes de continuar, uma sinopse:
Em um futuro não muito distante, num Japão imperialista (no livro chamado de Grande Republica do Leste Asiático), os jovens tornam-se rebeldes demais – do ponto de vista do governo. É criada uma lei chamada “Ato BR” (ou “O programa”), sob o pretexto de cumprir uma demanda social, quando na verdade o intuito é aterrorizar a população e conter essa onda reacionária. Essa lei define que uma classe de alunos do 3o. ano será sorteada aleatoriamente, sendo “sequestrada” e levada a um local isolado (uma ilha), para participar de um jogo transmitido parcialmente pela tv, em que devem matar uns aos outros até que reste apenas um. Neste ano, a classe de Shuya Nanahara é a sorteada. Os 42 alunos (21 rapazes e 21 moças) são soltos na ilha apenas com a roupa do corpo (o uniforme), sua mochila de estudante e uma bolsa contendo alguns mantimentos, água, um mapa da ilha e uma arma qualquer (que pode ir de uma tampa de panela a uma Uzi). A ilha é dividida em quadrantes que se tornam “proibidos” em determinados horários. Todos os alunos portam um colar que, além de conter um rastreador indicando sua posição, contém um dispositivo explosivo. Caso um aluno esteja numa zona proibida, o colar explode. Caso alguém tente fugir da ilha, o explosivo do colar também é ativado. Caso ninguém morra durante 24 horas, colares explodem aleatoriamente. E, como o jogo tem um prazo para terminar, caso em 72 horas não haja um vencedor, todos os colares remanescentes serão acionados.

Soou familiar? Se o leitor pensou em Jogos vorazes, de Suzanne Collins, bem… Não há como negar, a semelhança nas linhas gerais da trama é quase comprometedora. É lógico que o autor, Takami, não tirou esse plot da cartola. Pessoas, crianças, adolescentes sacrificados pelo bem da sociedade não são novidade – vide os jovens (7 rapazes e 7 moças) sacrificados ao Minotauro. Afinal, o leitor contumaz tem consciência de que todas as estórias já foram contadas. Não existe mais a possibilidade de se criar algo totalmente original. Mas há sempre um modo diferente de se contar a mesma estória. E foi o que fez Takami. Já Collins, mesmo afirmando ter tirado sua inspiração dos jogos de gladiadores, da popularidade dos reality shows, não me convence que não tenha lido “Battle Royale” (o livro ou o mangá) e de lá extraído suas ideias.

battle royale - hqDesconhecia a existência deste livro até ler uma resenha de Jogos vorazes, no blog Leitura Escrita, da @anacarolinars. Depois disso, li em vários sites e blogs que Jogos vorazes é uma versão light de Battle Royale. Concordo em parte. Apesar de a sinopse de ambos ser bem semelhante, o enfoque é bem distinto. Collins floreou e amenizou bastante a trama original, tornando-a palatável para os padrões norte-americanos. Gostei do livro dela (post aqui), mas o texto de Takami é muito mais cru e visceral, o que contrasta com o modo quase suave como a narrativa flui, deixando o livro extremamente envolvente. O intuito deste post não é comparar os dois. Mas, eventualmente, algumas comparações serão inevitáveis.

Como comentei anteriormente, gostei de Jogos vorazes. É um bom livro YA. Nem mesmo a narração em primeira pessoa compromete muito o desenrolar da estória. Mas ainda assim, Battle Royale tem alguns trunfos que o tornam superior e de leitura muito mais empolgante. Um pequeno detalhe que certamente faz o leitor avançar na leitura, quase compelido a continuar, é a contagem a cada final de capítulo. Ao término de cada um havia: “N students remaining”, com N sendo substituído pelo total de estudantes ainda vivos. Várias vezes me peguei espiando o capítulo seguinte, para saber se haveria alguma fatalidade. E muitas vezes continuei a leitura ao ver que a quantidade diminuíra, confesso. Eu sei, soa mórbido, mas é natural querer saber se aquele personagem que o leitor acabou de aprender a gostar, continua vivo até o fim do próximo capítulo.

O que me leva a outra característica que torna o livro muito bom: os personagens. Muito bem construídos, verossímeis e não só isso. Até os personagens que são aparentemente secundários são carismáticos o bastante para conquistar o leitor e fazer com que o seu destino passe a importar. Utilizando-se de flashbacks e fluxos de consciência, o autor leva o leitor a conhecer um pouco do passado e do caráter de cada um dos estudantes, entendendo as motivações de cada um. E o essencial, ninguém é 100% bandido ou mocinho, o que deixa tudo ainda mais convincente, já que no dia-a-dia todos somos gradações desses arquétipos. Algo que acredito enriquecer bastante a trama é o fato de que, diferente de “Jogos Vorazes”, os jovens eram colegas de escola. Boa parte deles se conhecia desde a infância. O que torna a decisão de tomar parte no jogo (ou não) ainda mais conflituosa. Não é apenas sobreviver, sendo obrigado a matar outras pessoas. Trata-se de sobreviver sendo obrigado a matar pessoas com que se conviveu durante muito tempo. Amigos de infância, colegas de treino, namorados. E não há apenas o conflito sobre matar ou não. Há a eterna questão sobre quem é confiável. O quanto cada um conhece dos demais para saber em quem confiar? E esses dilemas são explorados pelo autor de modo bastante eficaz. Tanto que durante a leitura, é frequente o leitor parar e se perguntar “E se fosse comigo?”.

battle royale - filmeHouve certa polêmica ao redor do livro devido à violência extrema presente no texto. É inegável que as cenas dos assassinatos são descritas de modo bastante detalhado. E, dada a variedade de armas distribuídas aos estudantes, há mortes das mais diversas maneiras. Em Jogos Vorazes, como a narração é em primeira pessoa, são descritas apenas as mortes testemunhadas pela personagem, daí a diferença. Neste, todas são narradas, com extrema crueza e riqueza de detalhes. E sou obrigada a parabenizar o autor pela criatividade. Exceto pelas mortes por armas de fogo, em que não há muito o que “inventar”, as demais foram engendradas de modo bastante criativo.
(Spoilers à frente) Para leitores mais observadores, a ausência de detalhes nas mortes que definem o ganhador do jogo, são um bom indício do que realmente aconteceu e do que virá a seguir.

O livro, lançado em 1999, foi adaptado para duas outras mídias: cinema e mangá. O mangá possui 15 volumes, dos quais apenas 12 foram publicados aqui no Brasil. O filme, de 2009, não é tão fiel ao livro. É compreensível, já que transcrever quase 600 páginas em 2 horas de filme não é tarefa das mais simples. Além disso, o diretor e o roteirista optaram por dar mais destaque a alguns personagens e enfatizar a crítica a sociedades anti-democráticas e opressoras. E há ainda um agravante: a performance dos atores japoneses parece histérica demais aos nossos olhos ocidentais, o que atrapalha a imersão no universo da estória. O filme não é ruim, mas deixa a desejar para o espectador que também leu o livro.

Enfim, boa opção de leitura, mesmo para os que não tem muita intimidade com a língua inglesa. Aliás, ler um texto tão instigante é ótimo para combater a vontade de interromper a leitura, e ainda aprender algumas palavras novas (agora eu sei o que é “nunchucks”). Para quem leu e gostou de Jogos Vorazes, não é preciso deixar de gostar. Mas Battle Royale é, certamente, a “versão original sem cortes” que merece ser conferida.

battle royale - hq

P.S.: como sempre o Google matou minha curiosidade sobre o título do livro. O nome veio de uma modalidade de combate do tempo dos gladiadores de Roma. Bem no estilo Highlander, todos era colocados na arena e deveriam combater entre si até que restasse apenas um.

Merece um Capuccino
[rating=4]

[compre lin=”http://migre.me/gcGki”]

Cristine Tellier
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4 Replies to “42 students remaining”

  1. Ola, vi que você compartilhou este link em um comentario no face da Globo atl, adorei seu texto, sou fanatica por BR, e aguardo anciosa pelo livro. Li o manga, mais de tres vezes, pela internet, super recomendo ainda pelo que disse, a riqueza dos detalhes. O manga é bem pesado, imagino que a mesmo nivel do livro, nao ha censuras tanto nas cenas das mortes que sao extremamente bem desenhadas as cenas de estupro. Espero que o livro seja semelhante ao manga. E sobre a comparacao aos jogos vorazes gostaria de acrescentar, o fato do BR ser totalmente focado no jogo, enquanto o outro e quase mais politico. Depois que ler o livro por favor conte-nos se e tao parecido quanto o ingles 🙂
    Beijos e bom trabalho

    1. Olá Jaqueline

      Obrigada pela visita, que bom que gostou do texto.
      Confesso que do mangá li apenas o primeiro volume, mas posso afirmar que é mais fiel ao livro do que o filme, ao menos no que diz respeito à transposição das cenas mais violentas. Não sei se foi feita alguma adaptação na trama.
      Eu, provavelmente, lerei a edição da Globo Livros também. Por melhor que seja o meu inglês – e não é excepcional – não há nada melhor do que ler no nosso próprio idioma 🙂

      Abraços e boas leituras

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